Imprensa
Abrigo criado na pandemia completa 2 anos com mais de 28 mil atendimentos
Publicada em | Atualizada em
Por Manu Romeiro, com edição de Andreza Lopes
A sua criação foi num período crítico da pandemia da Covid-19, para acolher às pessoas em situação de rua do município de Vitória. Em dois anos de história, o Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias em situação de rua - Abrigo l, que é um espaço da Secretaria de Assistência Social (Semas), coleciona histórias de garantia de direitos básicos e superação, protagonismo, reinserção comunitária, acesso ao emprego e geração de renda.
Para marcar a data e comemorar tantas realizações, foi preparada uma programação especial. Houve história de superação de quem já viveu no abrigo; apresentação musical feita por pessoas atendidas no local e também foi servido um delicioso almoço, com churrasco. Ainda teve o tradicional bolo de aniversário, com direito a parabéns!
"Esses dois anos são muitos significativos para nós. Costumo dizer que aqui é uma fábrica de esperança, onde devolvemos a dignidade dessas pessoas para a cidade de Vitória", destacou o prefeito da capital, Lorenzo Pazolini.
Atendimentos
Nesses 24 meses, mais de 840 pessoas já passaram pelo espaço, onde tiveram acesso a direitos: atendimento inicial; acolhimento, que proporciona kit completo de higiene, cama, comida e roupa lavada; elaboração do plano individualizado de atendimento (PIA), feito pela equipe multidisciplinar; atividades esportivas; socioeducativas; escolarização (EJA) e encaminhamentos para rede e serviços do município de Vitória. O abrigo abriu as portas no dia 13 de julho.
Nesses dois anos, foram realizados 28,8 mil atendimentos, sendo eles psicossociais, encaminhamento à rede, consultas em pronto atendimento, acesso à documentação, à Unidade de saúde, ao Centro de Atendimento Psicossocial (Caps), encaminhamento ao mercado de trabalho, a unidades de ensino, entre outros.
Para a secretária de Assistência Social de Vitória, Cintya Schulz, comemorar dois anos da existência do Abrigo l é motivo de orgulho. "Apostar nas políticas públicas é essencial. O abrigo passou a funcionar em meio a pandemia, e sempre que ouço relatos da equipe, tenho a certeza do quanto ele muda vidas, possibilitando, junto de outras políticas públicas, a superação da condição de rua. Agradeço a todos os trabalhadores do Suas (Sistema Único de Assistência Social), todos os parceiros, e ao prefeito Lorenzo Pazolini por confiar na Assistência Social e por seu olhar atento a quem mais precisa", enfatizou Cintya.
Superação
Um dos pontos altos do evento foi o depoimento do Flávio Moraes, de 57 anos, que já viveu no Abrigo l e hoje tem sua autonomia. "Eu lutei muito para ter o que tenho hoje. Estou aqui porque tive perseverança, porque tive a possibilidade de ser um homem novamente. Agradeço a Deus, à Adra e ao abrigo. Tive muita vontade de desistir, de sair por aquele portão e não voltar mais. Todos nós temos essa vontade, mas lá fora é o fim do mundo para nós. Continuem com essa perseverança e espero que estejam com Deus e que Deus esteja com vocês", disse Flávio, emocionado.
Para Flávia Gomes Moreira de Almeida, viver no abrigo e contar com toda a sua assistência significam muito. "Aqui é só o recomeço para quem quiser subir na vida. Temos que começar do início e batalhar para ter uma vida longe das drogas. É uma jornada", contou com um lindo sorriso e os olhos repletos de esperança.
Jornada
"Atualmente, o abrigo está com sua capacidade máxima de ocupação preenchida, que é de 50 pessoas, cumprindo o seu papel estabelecido de ofertar um acolhimento qualificado e humanizado", comentou o coordenador do Abrigo Rodrigo Trindade. Vaga como a preenchida por Jurandir Parrilha, de 67 anos, o usuário que está a mais tempo no local.
Ele chegou de São Paulo, antes do período da pandemia do Covid-19, e veio para o município de Guarapari para ajudar nos cuidados da irmã de 80 anos de idade. Cconflitos familiares levaram-no a fazer outra opção: "larguei tudo e saí caminhado rumo ao Rio Grande do Norte para ver o mar, para viver perto da praia", contou Jurandir.
Depois de três dias e meio de caminhada, caronas, o que Jurandir conseguiu foi chegar até Linhares. Sem dinheiro, sem os pertences e até documentos pessoais válidos, ele recebeu a oferta de ganhar uma passagem de volta para perto da família. Mas, ele decidiu desembarcar em Vitória.
A importância da Abordagem Social
"Foram três meses sentado num banco da Praça dos Namorados, na Praia do Canto. Lá fiz amizade com os trabalhadores da limpeza do espaço e motoristas de Uber. Eles me davam comida, cafezinho, um pão. Até que um dia, um deles disse que existia um serviço da Prefeitura que poderia me ajudar a sair dessa", contou ele. O serviço referido é o Serviço de Abordagem Social (Seas) da Secretaria de Assistência Social (Semas).
"A equipe de azul chegou me abordou e me convidou para vir para o Abrigo. Aceitei, mas no começo ficava na dúvida. Meu pensamento mudou quando, aqui, me apresentaram o meu plano de atendimento (PIA)", comemora Jurandir. Segundo ele, a partir daí as coisas começaram a voltar para os trilhos.
"Comecei a entrar no eixo da visibilidade, da cidadania. Na praça eu não tinha nada. Me inscreveram no Cadúnico. Recebi as orientações, apoio e ajuda para tirar os documentos (certidão de nascimento e carteira de identidade), acesso ao auxílio emergencial", apontou ele.
Além disso, Jurandir foi matriculado na turma de Educação de Jovens e Adultos (Eja), que funciona dentro do Abrigo, dando um novo ânimo e direcionamento na vida dele. "Parecei de estudar com 14 anos, ainda no ginásio (hoje correspondente ao Ensino Fundamental). Nesse tempo que estou aqui, progredi tanto que passei no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) para fazer Hospedagem. Se estivesse lá fora estaria morto", disse ele.
Esse caminhar construído dentro do Abrigo, fez com que Jurandir voltasse a sonhar. "Sonho ter uma casa. Ter um endereço próprio, uma casa do meu jeito, mesmo que seja alugada. Quero uma casa em Vitória. Quero morar na cidade que abracei e que me abraçou também. Vitória é que está em proporcionando essas coisas. O abrigo apareceu no momento certo e, esse é o momento de reflexões e evolução", frisou ele.
Atendimento individualizado
O Abrigo l tem como objetivo o acolhimento das pessoas em situação de rua. No Abrigo, elas recebem a oportunidade de ressignificar, enquanto cidadão, por meio do atendimento individualizado, onde suas histórias são preservadas e dentro de uma metodologia dialógica, democrática e em consonância com as legislações em vigor.
As ações são implementadas e contextualizadas numa jornada pedagógica, potencializam as ações coletivas e procuram garantir a individualização de cada sujeito, propiciando a superação da situação de rua em um novo contexto de integração à sociedade.
Fora esse atendimento diário, os usuários recebem atendimento com psicólogos e assistente sociais. Eles recebem ajuda com documentação civil e inserção em serviços de saúde da rede pública municipal.
Abrigo l
O espaço possui sala multiuso, sala para escolarização, brinquedoteca, biblioteca, recepção, escritório, sala coordenação, sala cuidadores sociais, dormitórios, sala para equipe psicossocial, salas para atendimentos individuais, cozinha, depósitos, refeitório, guarda volume, banheiro para funcionários, banheiros para usuários (masculino e feminino), banheiro acessível para pessoas com deficiência e área de lazer interna e externa, horta, jardins e estacionamento.
O volume de atendimento representou a oferta de 3,8 mil de refeições no primeiro ano de funcionamento, saltando para 4.080 refeições, nesses últimos doze meses. A elevação no número de refeições reflete o aumento na oferta de vagas que saltou de 40 para 50. No abrigo, os usuários fazem quatro refeições (café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar) todos os dias.
Mais do que o sucesso dos números alcançados, a equipe do Acolhimento quer celebrar as vidas que já passaram pelo abrigo e as que permanecem por entenderem o processo e aceitarem seguir o plano individual de atendimento elaborado pela equipe técnica - composta por gestor, equipe técnica multidisciplinar e educadores.