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Mas será o Benedito?: Imperatriz do Forte cantou a força de líder quilombola
Publicada em 10/02/2023, às 23h10
Por Brunella França, com edição de Matheus Thebaldi
Uma história de resistência do povo negro, com muito Ticumbi, Jongo e a força das comunidades do Forte São João e Romão. A Imperatriz do Forte executou com maestria a missão de abrir a edição 2023 do Carnaval de Vitória, nesta sexta-feira (10), levando para o Sambão do Povo um enredo forte e que, com a ludicidade do imaginário e das manifestações culturais, resgatou parte da história de sua própria gente.
Os carnavalescos Vitor Vasale e Victor Faria levaram para a passarela do samba a história de Benedito Meia-Légua, lendário quilombola da região do Sapê do Norte, território que engloba parte de São Mateus, Conceição da Barra e Itaúnas.
Dona Rovena Martins, 65 anos, tinha 15 quando a mãe dela, dona Iraci Martins, hoje falecida, fez o movimento na comunidade para fundar a Imperatriz do Forte. A dona de casa não escondeu a emoção por estar de volta, em fevereiro, ao Sambão do Povo. Ano passado, os desfiles foram realizados em abril.
"A escola tem 50 anos, o meu nome está no primeiro estatuto da Imperatriz, junto com a minha mãe. A gente está muito feliz por voltar à avenida com toda a garra da nossa gente. É muita dedicação, muito amor, noites e noites sem dormir trabalhando. Hoje tenho sobrinhos, minha filha, vamos continuando esse legado. É como um filho que a gente tem e vê brilhar na avenida, não tem nem como explicar, eu agradeço a todos que trabalharam e que trabalham pela nossa escola, a nossa Imperatriz", disse.
Ao lado dela, a atriz Regina Coutinho, embaixadora da velha guarda da escola, acompanhava o desfile de alas e componentes entrando na passarela do samba. A expectativa na comunidade está alta para a apuração das notas, na próxima quarta-feira (15). "A gente sempre espera a vitória, a gente vem pra avenida pra ganhar", afirmou.
"Abre a praça" em verde e rosa
Uma grande festa para São Benedito, o santo negro, abriu o desfile da agremiação, trazendo o Ticumbi, manifestação cultural afro-brasileira característica dos municípios de São Mateus e Conceição da Barra.
A comissão de frente entrou na avenida com a missão de contar, usando do universo lúdico que permeia o carnaval, a história de Benedito Meia-Légua. A coreografia, assinada por Vinícius Couti, convidou, na figura de um Mestre do Ticumbi, a celebrar e contar a memória desse líder negro do Norte capixaba. O tronco de árvore onde, segundo relatos, Benedito dormia às noites, em fuga de seus captores, foi representado no pede passagem da escola.
Vinicius Costa e Julia Mariano, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, apresentaram movimentos tradicionais do bailado que apresenta o pavilhão da escola aos jurados e é avaliado como quesito, introduzindo com delicadeza movimentos que fazem menção a cultura afro e a fluidez e calmaria das águas doces.
A fantasia luxuosa representava o Córrego das Piabas, local em que, segundo relatos, Benedito Meia-Légua foi vítima de uma emboscada e preso dentro de um tronco oco de uma árvore, e queimado vivo.
Reverenciadas como guardiãs de memórias e tradições das escolas de samba, as baianas da Imperatriz do Forte vieram no primeiro setor, fantasiadas de "Cricaré", representando a força do rio de mesmo nome que foi porta de entrada de navios negreiros no Brasil, um dos maiores portos de chegada de escravizados da África.
O abre-alas, batizado de "O Ticumbi da Imperatriz", trouxe a representação dos barcos de pesca aportando no cais de Conceição da Barra, trazendo o grupo do Ticumbi e a imagem de São Benedito das Piabas. Com fitas, flores, estandarte, violões e pandeiros em várias partes da alegoria, que trazia também o requinte do carnaval em verde e rosa, com a representação máxima da Imperatriz do Forte: sua coroa.
A ala "Jongos e Congos para a festa começar" pedia passagem para a belíssima rainha de bateria da escola, Patrícia Telles, vestida de flores ao rei do congo. A Berço do Samba, como é conhecida a bateria da escola, passou ousada, com bossas remetendo às tradições do Congo e do Jongo. Seus ritmistas encenavam a guerra dos reis de Congo e de Bamba, que na apresentação comandada por mestre Vitor Rocha deu show.
Levantando as arquibancadas, a ala dos passistas, vestida como devotos em procissão, riscou a passarela do samba. Encerrando o primeiro setor, a ala "Mestre do Ticumbi" fez uma grande homenagem às características e aos mestres do Ticumbi, principalmente ao Mestre Terto, que manteve firme essa manifestação cultural capixaba por mais de 50 anos para além das divisas do Espírito Santo.
Depois de trovar, sua história vamos contar!
O segundo setor do desfile da Imperatriz do Forte concentrou-se em apresentar ao público detalhes das lutas, libertações, mistérios e feitos de Benedito Meia-Légua, em busca da alforria de escravizados. Suas andanças pelo Sapê do Norte, a fama de terror dos escravagistas até sua captura passaram em alas e fantasias.
Destaque para a ala representando a Cabula, religião de matriz afro com ritos ligados à presença da água, e comumente realizados à noite, nas florestas. O tripé "Cabula quando o Tatá flua" sintetizava os principais elementos do culto.
Os mitos e lendas envolvendo Benedito também passaram na avenida, como a multiplicação de seguidores do líder negro.
Afro-capixaba
O último setor da Imperatriz do Forte destacou o legado da cultura afro-capixaba para a luta negra no Espírito Santo, além da formação ancestral do Forte São João e do Romão. Outros nomes que marcaram a resistência no Espírito Santo também foram lembrados pela escola, como: Constância de Angola, Viriato Cancão-de-Fogo, Negro Rugério Preto Bongo.
Dos quilombos do Sapê Norte para Vitória! Em busca de melhores condições de vida, muitos ribeirinhos e pescadores da região de Sapê do Norte migraram para a capital capixaba e se assentaram no Forte São João e no Romão, comunidades da Imperatriz do Forte, conhecidos como "mateenses".
À frente do último carro, a velha guarda veio vestida de "Somos Todos Benedito", carregando o legado da perpetuação da história de resistência de Meia-Légua. Encerrando o desfile, a alegoria "Quilombo Forte" levou ao Sambão do Povo o passado, o presente e a luta por um futuro sem racismo, provendo um aquilombamento em plena avenida.