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Exemplo de vida: Vitória tem estudante de 102 anos na sala de aula
Publicada em 28/05/2021, às 13h15 | Atualizada em 25/06/2021, às 17h24
Por Brunella França, com edição de Matheus Thebaldi
O andar é firme, de alguém que já caminhou por uma longa estrada, mas que ainda vê um horizonte para onde seguir. Com a ajuda de uma bengala para auxiliar os passos, Pedro Francisco de Souza, de 102 anos, chega ao ambiente que passou a frequentar este ano: a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Suzete Cuendet, em Maruípe.
Ao lado do filho André Conceição de Souza, de 46 anos, o oleiro aposentado se vestiu com terno e gravata para conhecer o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, e a secretária de Educação da capital, Juliana Rohsner, na manhã desta sexta-feira (28).
De fala mansa, seu Pedro gosta de cantar, tocar violão e “de conversar com as pessoas nobres de gala”. E foi para desenvolver melhor a fala, a leitura e a escrita que ele decidiu voltar a estudar e está matriculado na Educação de Jovens e Adultos (EJA), na turma do noturno.
"O meu estudo é pouco. Sem ler não podemos falar, não podemos fazer um nada, é por isso que continuo estudando. A gente fica uma pessoa civilizada, não tem medo de conversar com o povo, traz conhecimento. Enquanto há vida, há esperança", afirmou.
Exemplo
Para o prefeito, o senhor Pedro é um exemplo para todos os estudantes e, também, para quem está em casa e acha que “já passou da idade” de estudar. "É sempre tempo de começar. Viemos parabenizar o senhor; tenho certeza que todos aqui estão muito honrados com a presença do senhor em nossa escola", cumprimentou.
Viver para contar
Pedro Francisco fala com orgulho da própria história. Nasceu às 4 horas da madrugada, no dia 18 de outubro de 1918, uma sexta-feira, em Santana do Catu, região da Grande Salvador, na Bahia. Hoje, o município se chama apenas Catu.
Pai de 14 filhos, os quais criou com a profissão de oleiro, aprendida com o pai e que exerceu por mais de 40 anos, ele contou que um fato que o marcou aconteceu logo depois de seu nascimento: um terremoto que chegou a derrubar as garrafas das mercearias locais.
"Quando eu nasci, a terra tremeu, deu um terremoto, balançou mais de 40 quilômetros, minha mãe quase morreu assombrada. Os comerciantes perderam muitas garrafas, caíram das prateleiras", relatou.
No Museu Geológico da Bahia, há o registro de um tremor de terra ocorrido em 7 de novembro de 1918, com epicentro provável no distrito de Pojuca, que faz parte do município de Catu. O tremor foi sentido nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Cachoeira, Amargosa, Curralinho, Nazaré, Valença, Alagoinhas e Serra Grande.
1918 também foi ano da pandemia da gripe espanhola, que chegou ao país por volta de setembro, um mês antes de Pedro Francisco nascer. Em seu século de existência, o estudante viu grandes eventos, mudanças e transformações no Brasil, no mundo e na própria vida.
Sobre os planos para o futuro, seu Pedro disse que quer permanecer em Vitória, pois foi muito bem acolhido na cidade e na escola. "Eu quero estudar, enquanto eu tiver saúde e vida".
Orgulho
Para o filho André, que é pastor missionário e mestre de obras, o pai é um orgulho. "Eu vindo estudar todos os dias, ele me perguntou se a escola o aceitaria nessa idade. Dentro de mim, eu achava que não ia aceitar, mas a professora disse 'sim'. E agora está ele na escola. Pra mim é um grande prazer vir para a escola com o meu pai. Quando eu era criança, ele que me levava, agora, ele vem comigo", disse.
André decidiu voltar a estudar para se qualificar tanto na profissão quanto no trabalho de missionário. Mas o sonho é chegar à faculdade de Música.
"Eu tenho muita oportunidade de viajar o país e ir pra fora também. Já trabalhei no Congo, em 2015. Lido com pessoas com mais estudo do que eu, que conhecem mais da ciência, às vezes, eu falo errado, as pessoas percebem, e por isso decidi voltar a estudar. Nunca é tarde para aprender", afirmou.
Emoção
A secretária de Educação, Juliana Rohsner, estava emocionada ao conhecer o estudante veterano. "É um exemplo ter o senhor, a gente vê muita gente nova que já desistiu de estudar, o senhor estar aqui é um orgulho", declarou.
A presença de seu Pedro na Emef Suzete Cuendet foi recebida como um presente para a escola. A professora Tania Taufner, que dá aula para pai e filho, disse que, apesar de ter iniciado agora, o estudante veterano é também bastante aplicado.
"Ele me disse que quer aprimorar a escrita e a leitura. E já falou que não quer faltar, que virá todo dia. Eu acho que a educação é para todos, não depende de idade. Ele é um estudante muito aplicado, presta atenção em tudo. É o interesse dele e dos estudantes da EJA que motiva o professor também", destacou.
A diretora da Emef, Rubia Xibili, não esconde a felicidade de ter Pedro Francisco matriculado na escola. "No primeiro dia, ele parecia um menino chegando, com o jeitinho dele. Foi entrando, sentando na sala de aula, copiando a tarefa do quadro".
EJA
Ao todo, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) atende 2.025 estudantes na capital. Desses, 154 estão na faixa etária entre 60 e 69 anos; 43 têm entre 70 e 79 anos e outros 14 matriculados têm entre 80 e 89 anos.
E ainda há vagas tanto para o primeiro quanto para o segundo segmento. Quem tiver interesse deve procurar uma das unidades de ensino de Vitória levando consigo o histórico escolar (para quem tem Ensino Fundamental incompleto), Carteira de Identidade e comprovante de residência.
Quem não possui o histórico realiza uma prova para classificação. Analisando o desempenho, os professores avaliam em que etapa o estudante pode se integrar.