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Eles não desistiram de mim", falou Gabriel sobre equipe do Serviço de Abordagem Social
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Por Rosa Blackman (rosa.adrianaeira$4h064+pref.vitoria.es.gov.br), com edição de Michelle Moretti


Imagine você entrando em uma repartição pública e sendo parado por um vigilante. Uma situação constrangedora para muitos se transformou em um momento de emoção na vida do psicólogo Pedro Rangel Telles de Sá. Ao passar pela catraca eletrônica de um edifício, na Enseada do Suá, Pedro foi reconhecido pelo segurança Gabriel Inácio Viana, de 26 anos, como o profissional do Serviço de Abordagem Social (Seas) que, há 14 anos, insistiu para que ele saísse das ruas, da situação de mendicância e do trabalho infantil, e aderisse aos encaminhamentos e orientações para superar essa condição.
Um reencontro que rendeu boa conversa, um pedido de desculpas e a expressão de muita gratidão ao profissional que, segundo Gabriel, nunca desistiu dele, de seus irmãos e de seus amigos(as) da época. Todos eram crianças, de idades variadas, que viviam em situação de rua, mendicância e trabalho infantil na região Continental da cidade.
"O Pedro não me reconheceu quando olhou para mim, mas eu reconheci na hora", afirmou Gabriel. Ao ser perguntado por que a fisionomia do psicólogo tinha ficado gravada na memória, a resposta veio fácil:
"Queria mostrar para ele que mudei. Eu queria agradecer a persistência dele. Ele não desistiu de mim, mesmo a gente sendo agressivo naquela época. A gente tinha muito medo, éramos crianças. Eles (referindo-se a outra profissional que atuava em parceria com Pedro -- Elizabeth) foram essenciais nas nossas vidas. Ele era chato para o nosso bem. Ele insistia. Eles não desistiam da gente", contou Gabriel.
O vigilante disse que, naquela época, eles não tinham noção do trabalho do Seas. "A gente era tudo criança, só queria viver. Então, ficávamos com muito medo. Era a época da Kombi, quando ela passava a gente corria, fugia. Com o tempo, fomos amansando e entendendo o processo. O serviço dele foi essencial. Eles conversavam muito com a gente, só falavam coisas boas e, depois, ofereceram o abrigo. E fomos para lá", relembrou Gabriel.
Gabriel fez questão de reafirmar que "ele não se intimidava. Eles ficavam uns dias sem aparecer e a gente achava que tinham sumido. Aíeles voltavam, eram acolhedores. Estavam ali com a gente. Eu só tenho a agradecer a eles por ter chegado onde cheguei", disse, emocionado.
Com um histórico familiar de violência doméstica cometida pelo próprio pai, que ainda fazia uso abusivo de substâncias ilícitas, aos sete anos de idade Gabriel e seus dois irmãos (Michele, 10, e Daniel, 4) foram morar nas ruas após perderem a casa onde viviam e a mãe ser levada pela Polícia Militar sob a acusação de comércio ilícito.
Gabriel contou que, dos sete aos 14 anos, a rampa e o depósito de descarte de alimentos do antigo supermercado Epa, localizado nas imediações da Praça Regina Frigeri, em Jardim da Penha, foram seu local de sobrevivência. Lá, permanecia com os irmãos e o pai; era onde estavam seus amigos; e onde tiravam o sustento, ora ajudando na montagem das barracas das feiras, ora vigiando carros.
Também foi lá que sofreu com os horrores de estar em situação de rua, como quase ser queimado vivo por outro morador, e onde recebia notícias sobre o destino de alguns amigos -- algumas de morte e/ou envolvimento com práticas ilícitas. "Ninguém quis ficar com a gente. Então, fui para Jardim da Penha, porque era um lugar que eu já conhecia. Eu já ia, porque acompanhava meu tio, que na época era engraxate lá", relatou.
Um enredo com todos os ingredientes para ter um final dramático. As lembranças desse período permanecem vivas na memória, mas Gabriel vem refazendo sua trajetória e reescrevendo-a de forma brilhante.
Ao ser questionado sobre o "lugar" que dizia ter chegado, respondeu com orgulho: "Eu não imaginava tudo isso. Eu tinha sonhos e Deus nos abençoou. Estamos conquistando pouco a pouco. Tenho minha casa quitada. Tudo certinho. Não devo dinheiro para ninguém. Tenho minha família, meus filhos". Gabriel foi beneficiado com o programa da Prefeitura de Vitória "Minha Casa Feliz e Segura", conseguindo adquirir a casa próxima às suas origens, em São Pedro.
O interesse pela riqueza dos detalhes da conquista da casa própria, somado à estabilidade emocional e financeira, saltava aos olhos. E Gabriel, com tranquilidade, completou: "Desde quando conheci a minha mulher (Erika Cardoso Martins, na época com 14 anos e eu, 18), que já tinha uma filha, senti que precisava assumir a responsabilidade. Mesmo novo, assumi. Sempre fui uma pessoa de trabalho. Creio que ganhei essa confiança em mim e esses valores com a equipe do Seas e do abrigo", afirmou.
Gabriel disse que há dois anos sentiu que tudo na sua vida estava se encaixando. "Comecei a trabalhar com carteira assinada, como ASG. Depois, como auxiliar de expedição logística, mas tive que sair por conta do nascimento do terceiro filho, que nasceu com sério comprometimento motor. Mas agarrei todas as oportunidades que apareceram para mim. Enquanto trabalhava como ASG, falaram que eu poderia crescer. Então, fui estudar para ser vigilante. O único dinheiro que tinha era o do BPC do meu filho e usei para pagar o curso. E valeu a pena. Hoje, sou vigilante e tenho condições de crescer mais", disse.
Gabriel também contou que o irmão está bem, é porteiro, tem família e moradia. A irmã Michele é dona de casa, casada e mãe de dois filhos. A mãe acertou suas contas com a Justiça, está domiciliada e feliz. O pai, porém, ainda se encontra em situação de vulnerabilidade extrema nas ruas.
Ao ouvir a guinada na história de vida de Gabriel, o psicólogo Pedro se emocionou. "A gente quer sempre acreditar que está tudo bem, mas sabe que muitos se perdem. Saber que semeamos e deu fruto é muito gratificante", comentou, acrescentando: "A emoção do reencontro está em ver a condução da vida dele. Ele está fazendo o que a gente abordava nas conversas. Executou o que a gente orientava naquela época".
Pedro Telles fez questão de destacar que o trabalho feito com o menino Gabriel é o mesmo feito com todos que estão em violação de direitos. A gente sabe que o que os levou a isso foram as situações difíceis. O exemplo dele é mais uma resposta positiva ao nosso trabalho. É uma demonstração de que o nosso trabalho não é em vão. A gente dá as orientações; o que a pessoa vai fazer com elas é uma decisão pessoal".
O psicólogo ressaltou ainda que "a sociedade não pode pensar o trabalho da Proteção Social Especial de Média Complexidade como algo de resultados de curto ou médio prazo. A abordagem semeia na perspectiva de sensibilizar para a superação. A gente faz a proposta, aborda, identifica, cria vínculos, encaminha. Mas isso não acontece no curto prazo. E Gabriel está aí para atestar. Entre 2012 e 2016, semeamos. O fruto está aí e é resultado da articulação das políticas públicas complementares, que garantiram a integralidade da atenção às necessidades de Gabriel".
Para a gerente de Proteção Social Especial de Média Complexidade, Fabíola Calazans, essa história é fruto da efetivação de algo precioso para alcançar resultados de impacto: as práticas intersetoriais. "Percebe-se a trilha que o munícipe percorreu. Em seu momento de maior fragilidade, houve o encontro com o Seas e o estabelecimento dos vínculos. Depois, esses vínculos se aprofundaram no Centro Pop e no acolhimento institucional. Mais fortalecido, ele foi referenciado ao Cras para dar seguimento à vida com autonomia. Foi possível caminhar sozinho? Ainda não. O Banco de Alimentos deu aquela força para garantir a segurança alimentar e nutricional. No entanto, já era possível estar com os filhos e acompanhar o desenvolvimento deles na escola e na saúde. Para fechar com chave de ouro: a conquista de um lugar ao sol. Sim, Gabriel foi contemplado pelo programa Minha Casa Feliz e Segura", detalhou Fabíola Calazans.
A secretária de Assistência Social, Soraya Manato, reforçou: "Nada como políticas públicas que se encontram e se completam em prol de um munícipe".