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Da Educação Infantil ao estágio: a trajetória do estudante Davi Schimidt
Publicada em 27/09/2021, às 12h05
Por Brunella França, com edição de Andreza Lopes
Quando Davi Schimidt nasceu, sua mãe, Gertrudes Schimidt, a Tuca, percebeu que havia algo de diferente, pois o bebê não acordava com os barulhos da casa ou da rua. O diagnóstico, porém, veio apenas aos 7 meses: Davi era surdo.
A partir daí, dona Tuca passou a buscar informações e também os direitos do filho. Davi ingressou na rede de ensino de Vitória ao ser matriculado no Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Jacyntha Ferreira de Souza Simões, em Goiabeiras. Depois, estudou na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Juscelino Kubitschek de Oliveira (JKO), em Maria Ortiz.
“Quando descobri que meu filho era surdo, logo me disseram para buscar uma escola onde ele ficasse separado das outras crianças, mas eu não quis. Eu matriculei o Davi na escola porque eu queria que ele ficasse na sala de aula, junto com as outras crianças, que aprendesse da mesma forma, que tivesse as mesmas aulas. E os outros estudantes aprendiam também a se comunicar com ele, Davi sempre fez amigos”, contou.
Identidade
Foi na Emef JKO que Davi conheceu o então instrutor, e hoje professor da rede, Fábio Pitol Coutinho, que também é surdo.
“Comecei a dar aula em 2009 para o Davi, ele era pequeno, estava no 1º ano e tinha muita dificuldade de socialização. Na escola, ele foi conhecendo a língua de sinais, tirava dúvidas com a professora bilíngue que trabalhava na escola. Mas o contato com o Davi não era só ensinar a Libras, os conteúdos das disciplinas, era também ajudá-lo a desenvolver a sua identidade enquanto surdo”, destacou o professor.
Fábio e Davi, hoje com 19 anos, se reencontraram há cerca de dois meses, quando o jovem chegou à Emef Suzete Cuendet, em Maruípe, como estagiário de Pedagogia, para trabalhar com os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
“Estou muito feliz de ter o Davi com a gente. Nós conversamos muito, ele está aprendendo, nas turmas dos anos iniciais, como é ensinar, como é ser professor. A comunicação é o mais importante, porque sem comunicação, não tem escola”, ressaltou Fábio.
Voltando para casa
Estar de volta à rede de Vitória, para Davi, é como estar voltando para casa. Estudante do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Espírito Santo, hoje ele está nas salas de aula da Emef Suzete Cuendet como assistente dos professores, auxiliando os estudantes nos processos de aprendizagem.
“Estou fazendo faculdade, estou no estágio, estou feliz. Estar aqui é como estar voltando para casa, eu gosto muito da rede de Vitória, em geral. Eu adorava ir para a escola, amava muito. Quando eu estudava, ficava em tempo integral, almoçava na escola e depois tinha as atividades. O mais difícil sempre foi o Português, os textos eram muito grandes, tinha muitas palavras que eu não conhecia, mas eu tive apoio e fui aprendendo”, contou.
No estágio, Davi disse que gosta de trabalhar especialmente com as turmas do 1º ano. “Eles me chamam, tiram dúvidas comigo, são cheios de interesse em aprender e estão numa fase de aprendizado mais visual, então dá para ensinar Libras também. E os professores me ajudam, me ensinam também. É uma troca”, disse.
Professora bilíngue da Emef Suzete Cuendet, Hávila dos Passos Oliveira Silva, destacou que a presença do Davi na escola, assim como outros professores e estagiários surdos, representa uma quebra de preconceitos.
“Os estudantes ouvintes têm que respeitar o professor surdo. Aqui na escola, os estudantes reconhecem o Davi, estão aprendendo e tentam se comunicar com ele. É uma conquista de espaço do Davi e uma quebra de preconceitos também”, pontuou.
Orgulho
O apoio que nunca faltou ao filho quando criança, Dona Tuca fez dois cursos de Libras, um básico e um intermediário, continua também nessa nova fase.
“Pra mim o Davi é um orgulho. Ele estuda, faz faculdade, agora ele trabalha. Eu conversei muito com ele, perguntei se ele queria trabalhar, falei da consciência, da responsabilidade. E a presença dele é muito importante para os estudantes surdos e para os estudantes ouvintes também”, disse a mãe do Davi.
Conquistas
No último dia 21, o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, sancionou a lei municipal que cria o cargo de Tradutor e Intérprete de Libras na estrutura da Prefeitura da capital, uma conquista para a comunidade surda, além da regulamentação da função de professor da Educação Especial.
A rede municipal de ensino de Vitória atende a 1.893 crianças e estudantes, público da Educação Especial, na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atualmente, a rede de ensino tem 27 estudantes surdos e 22 que apresentam deficiência auditiva.
O tradutor e intérprete de Libras é um ouvinte com proficiência em Libras, que realiza a mediação na comunicação entre surdos e ouvintes. A previsão no texto da lei é de 12 vagas para o cargo. Na Educação, esse profissional é essencial para garantir a inclusão e a qualidade de ensino aos estudantes público da Educação Especial.
Dia dos Surdos
No dia 26 de Setembro é comemorado o Dia Nacional dos Surdos no Brasil. A data marca a fundação, em 1857, no Rio de Janeiro, do primeiro instituto de educação para surdos do país, atualmente chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines).
No Brasil, a Libras (Língua Brasileira de Sinais) é a língua utilizada pela comunidade surda e foi reconhecida como meio legal de comunicação no país por meio da promulgação da lei 10. 436 de 2002 e regulamentada pelo Decreto 5.626 de 2005.
Na comunicação por Libras é utilizada a datilologia, ou seja, um sistema de representação simbólica das letras do alfabeto, soletradas com as mãos. Nessa linguagem existem sinais para quase todas as palavras conhecidas. Para a execução dos sinais, usa-se o movimento das mãos, além das expressões facial e corporal, quando necessário.