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Casa Lar: coordenadora dá lição de vida no olhar para pessoas em situação de rua

Publicada em 25/04/2019, às 17h22 | Atualizada em 25/04/2019, às 18h04

Por Paula M. Bourguignon, com edição de Matheus Thebaldi


Guiomedce Paixao
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Adneia coordena a Casa Lar e dá ensinamentos de como respeitar e acolher as pessoas em situação de rua com transtornos mentais

Respeito e comprometimento. Palavras que estão no cotidiano da servidora Adneia Silva Santos, de 54 anos, que está à frente das Casas Lares, que são espaços de acolhida para pessoas em situação de rua com transtorno mental e com poucas possibilidades de reinserção familiar e social.

Ela é coordenadora desse projeto desde 2016. Os locais funcionam em regime de residência com atenção integral aos usuários, incluindo alimentação, higiene, medicação, atendimento de enfermagem e atividades socioeducativas.

Ela resume como é o desafio desse trabalho: "É extremamente desafiador trabalhar diariamente com pessoas com transtornos mentais. Em meio aos transtornos, eles têm memórias de seus familiares e lembranças afetivas. Eles são como crianças, são inocentes e sem maldade. Alguns conservam valores de cidadania e respeito ao próximo. É uma troca constante. Sou abençoada por trabalhar aqui. Nosso papel é ser multiplicador da vida".

Experiência

Antes de iniciar sua jornada na Assistência Social, quando fazia a faculdade de Enfermagem, foi convidada a coordenar um estágio com os catadores de materiais recicláveis.

"Foi meu primeiro desafio profissional na Assistência Social. Já trabalhava em hospital como enfermeira. Eu comecei a entender que era aquilo que eu queria, pelo perfil e pela necessidade das pessoas. Aprendi a ter relações interpessoais e olhar o outro de uma maneira diferente".

Em seguida, trabalhou no Centro de Atendimento Dia para a População Adulta em Situação de Rua (Cad). No ano de 2014, esteve como supervisora técnica do Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População de Rua (Centro-Pop). Desde 2016, assumiu a coordenação das Casas Lares.

"Acho que o olhar que eu tenho para o usuário diz muito sobre mim. Às vezes, estou caminhando pelas ruas e paro para escutar as histórias. Nesses momentos, percebo que estou sendo técnica, mas também estou sendo humana. Sempre quero e busco ajudar alguém. Quando um usuário se sente menosprezado, incapacitado e inferiorizado, converso e digo que não temos que ouvir o que os outros dizem".

Guiomedce Paixao
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"Deveríamos ter uma sociedade mais justa e que entendesse e respeitasse mais o outro", ponderou Adneia

Discriminação

"A sociedade ainda tem muita discriminação e preconceito com as pessoas em situação de rua e as pessoas que sofrem algum transtorno mental. As disparidades sociais sempre vão existir. Mas deveríamos ter uma sociedade mais justa e que entendesse e respeitasse mais o outro, suas condições e suas particularidades".

História de vida

"Eu vim de uma família humilde e muito diferenciada. Sou filha de uma mulher negra e lavadeira e um pai branco e construtor de obra. Já começo a vencer a minha primeira barreira, que seria a barreira racial. Meu pai tinha uma militância política muito grande, mesmo sendo analfabeto, mal sabia assinar o nome, mas tinha muito engajamento no bairro Consolação. Ele colocava água e luz no morro. Fazia a diferença e era muito respeitado. Meus pais tinham o mesmo sentimento social. Os moradores encontravam na minha casa um porto seguro. Aprendi desde nova a ter resiliência, pois, às vezes, as pessoas não entendiam por minha mãe ser negra e lavadeira".

Infância

"Um fato que me marcou na infância é que, naquela época, já existia pessoas que moravam na rua. Durante a semana, comíamos com privações e guardávamos o prato melhor para o domingo, que era sempre arroz, feijão, galinha ensopada com batata e maionese. Éramos em cinco irmãos. O primeiro prato de domingo minha mãe servia para uma pessoa em situação de rua apelidada carinhosamente de Benedito Paru".

"Sempre entendi que éramos para fazer para um menos favorecido. Fui constituída dentro dos direitos sociais. Meu olhar está dentro da Assistência Social", ponderou Adneia.

"Sou muito autônoma. Eu sempre lutei por tudo que eu acredito, tanto nas minhas coisas profissionais quanto nas pessoais. Do menos se faz mais. O que eu consegui na minha vida até hoje foi assim".

Família

"Tenho duas filhas crescidas, uma de 30, que é psicóloga, e outra de 27, que é servidora da Guarda Municipal. Ensinei a elas o respeito ao próximo, lutar pela dignidade humana e ter senso de justiça, além de não se conformarem com as disparidades sociais. Esse é o legado que estou deixando. Uma das minhas filhas já passa isso para minha neta, Maria Eduarda, de 10 anos. Ela já consegue conviver e ter respeito pelas diferenças".


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